Tape reading: e se o book ficar cego?

Há muitos anos escuto especulações a respeito do livro de ofertas ficar “cego”, ou seja, não ser mais possível identificar qual corretora ou banco está ofertando uma ordem de compra ou venda. E o mesmo vale para o times & trades onde são apontados os negócios realizados com a identificação da instituição que executou a ordem. Mas antes de apresentar o meu ponto de vista, acho interessante explicar a situação.

Para quem conhece o mínimo de tape reading, as duas ferramentas mais básicas, necessárias para se analisar o mercado no day trade, são o book de ofertas e o times & trades.

Através destas duas ferramentas é possível identificar doadores e tomadores de liquidez, na compra e na venda, e a intensidade com que cada uma destas “forças” atua. Eu, como físico, gosto de pensar nisto como uma soma vetorial em que a resultante da soma entre as forças indica uma direção de movimento provável. Neste contexto, os grandes players têm papel importante, pois a maior parte das negociações está em suas mãos.

Logo, se eu sei quais são as principais instituições que atuam para grandes players, posso dar mais atenção para seus negócios e, por outro lado, ignorar execuções realizadas por players que atuam para pessoas físicas, cujo volume de negociação é relativamente pequeno.

Agora, com o contexto alinhado, o que aconteceria se não pudéssemos mais identificar quem está ofertando ou executando as ordens?

Logo de cara posso dizer que a dinâmica do mercado mudaria, pois hoje, muitos tubarões dividem a execução de suas grandes ordens entre várias corretoras e bancos, justamente para camuflar a sua atuação. Com o book cego, esta artimanha não seria mais necessária, o que facilitaria a vida de alguns operadores de mesa. Mas partindo para um problema mais “real” e objetivo, eu imagino o que se passa na cabeça da maioria dos traders autônomos que utilizam esta técnica: “será que eu ainda conseguiria analisar o mercado?”

Em primeiro lugar, o mercado muda, sempre, o que não significa que muda para ruim (só é ruim para quem não se adapta). Na verdade, mudanças na dinâmica do mercado são recorrentes e vão muito além das questões de tendência e liquidez, envolvendo as regras de negociação também. O fim do pregão viva-voz é um exemplo disso e quem não se adaptou, teve que sair do mercado.

Outro exemplo são as alterações nos horários de negociação em função do horário de verão. Enfim, seja lá qual for a mudança, esta é uma característica imponderável no mercado e todo trader precisa estar preparado para isto. E se conforta saber, eu aprendi a operar por fluxo justamente em mercados cegos: NASDAQ e NYSE. Então, na minha opinião, é até mais fácil operar um mercado assim, pois tenho uma preocupação a menos: saber quem está atuando no mercado.

No fim, num book cego, tudo se resumiria a fluxo puro com destaque maior para o volume de negócios, sem a componente – muitas vezes dosada de forma subjetiva – que define a relevância de quem está atuando. Por isso, torno a afirmar: se o book de ofertas ficar cego, não será o fim do mundo.

Pense no futebol, o que aconteceria se proibissem gols de cabeça? Seria ruim? Acredito que não, necessariamente. A dinâmica mudaria, com certeza, mas esta restrição que afetaria um time, afetaria todos os outros também, logo não se trata de algo ruim.

E no mercado é exatamente assim que funciona, ou seja, as mudanças são ruins somente para quem não se adapta e este é o darwinismo do mundo trader, cruel e justo ao mesmo tempo.